Dentre os temas que causam grande atrito no ordenamento jurídico, em relação aos contratos de planos de saúde, encontra-se o período estabelecido para acionar a cobertura em determinados serviços e assistência. Tal prazo é regulamentado pela Lei Federal 9.656/98, nos artigos 12, inciso V, alíneas a, b, c; 16, inciso III.
Entretanto, é fato que tanto o sistema público de saúde, quanto o privado, foram diretamente impactados, no tempo atual, ante ao cenário peculiar e excepcional que atingiu o mundo inteiro pelo surto pandêmico do Covid-19.
Nesse cenário, se acirrou, outra vez, o debate em relação ao período de carência estabelecido nos contratos de planos de saúde. Uma vez que de um lado temos os beneficiários que necessitam utilizar-se do plano de saúde, em caráter emergencial. Do outro, temos as operadoras de planos de saúde que foram demandadas, até mesmo em excesso, para a cobertura de internações e atendimentos, dado o momento em que vivemos.
Pois bem, o debate em questão chegou à Suprema Corte, eis que, o Estado da Paraíba editou a Lei 11.746/2020, a qual dispunha “sobre medidas de prevenção à gravidez durante o período de contingenciamento da pandemia do Covid-19 (novo Coronavírus) no Estado da Paraíba”. A lei editada, no âmbito estadual, determinava que não poderia haver qualquer recusa das operadoras de planos de saúde, na vigência de carência contratual, de atendimento ou prestação de qualquer serviço aos beneficiários que estivessem com suspeita ou diagnosticados com Covid-19.
Contrariando a lei editada, a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde – UNIDAS propôs ação direta de inconstitucionalidade 6.493/PB, com pedido de medida cautelar, em face da integralidade da referida lei.
A ADI teve por relatoria o Ministro Gilmar Mendes, que no seu voto – acompanhado pela maioria dos ministros, ficando vencidos, os Ministros Edson Fachin, Marco Aurélio e Rosa Weber – entendeu que a lei editada no Estado da Paraíba acabou por usurpar competência privativa da União para legislar sobre direito civil, comercial e sobre política de seguros, disposta no artigo 22, incisos I e VII, da Constituição Federal.
Não somente isso, para o Relator, a referida lei interferiu diretamente nas relações contratuais firmadas entre as operadoras e os usuários, caracterizando-se, assim, impacto no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, conforme se lê:
“Dito isso, a partir do que se depreende da legislação impugnada, fica evidente que a lei estadual, ao impor obrigações às operadoras de planos de saúde no Estado da Paraíba, interfere diretamente nas relações contratuais firmadas entre as operadoras e os usuários contratantes, ocasionando relevante impacto financeiro, o que, consequentemente, influencia na eficácia do serviço prestado pelas operadoras do serviço, que se veem obrigadas a alterar substancialmente sua atuação unicamente naquele Estado-membro.”
Destacou o Relator, por oportuno, que a matéria já estaria disciplinada pela Lei Federal 9.656/98:
“Por sua vez, a Lei Federal 9.656/1998, em seu artigo 16, III, prevê a necessidade de indicação clara dos períodos de carência. Vejamos:
“Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos planos e seguros tratados nesta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:(…)III - os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames;”
Evidente, portanto, que a matéria tratada nos autos, qual seja, a imposição de períodos de carência pelas operadoras de planos de saúde, já foi disciplinada por lei federal no exercício da competência privativa da União prevista no artigo 22, incisos I e VII, da Constituição Federal, de modo que não cabe ao Estado da Paraíba inovar matéria já disciplinada.”
No voto, o Ministro também mencionou o recente julgamento da ADI 6441/RJ, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, a qual declarou a inconstitucionalidade da Lei 8.811/2020 do Estado do Rio de Janeiro que proibia a suspensão ou cancelamento de planos de saúde por falta de pagamento, justamente, por entender que tal lei usurpou competência privativa da União em relação à matéria, senão leiamos:
“É fato que a crise ocasionada pela pandemia da COVID-19 impõe desafios para a União e para os Estados-membros. Todavia, há que se frisar que as soluções para os problemas atuais devem respeitar a repartição de competências disposta na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, destaco o recente precedente da ADI 6441, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, julgado pelo Plenário na Sessão Virtual de 7.5.2021 a 14.5.2021, assim ementada:
“MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONVERSÃO EM JULGAMENTO DEFINITIVO. LEI N. 8.811/2020 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. DISCIPLINA SOBRE PROIBIÇÃO DE SUSPENSÃO OU CANCELAMENTO DE PLANOS DE SAÚDE POR FALTA DE PAGAMENTO DURANTE A SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR PRIVATIVAMENTE SOBRE DIREITO CIVIL E POLÍTICA DE SEGUROS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE.”
Ante o exposto, conheço da presente ação direta de inconstitucionalidade e, no mérito, julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei 11.746, de 30 de junho de 2020, do Estado da Paraíba.”
Assim, fica reafirmada a possibilidade de implementação de período de carência nos contratos de planos de saúde, inclusive, em relação ao Covid-19, eis que tal matéria é de competência privativa da União e já é disciplina pela Lei Federal 9.656/98. FONTE: STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6493/PB. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Dje 28/06/2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5966059 STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6493/PB. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Dje 28/06/2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15346821816&ext=.pdf https://paraiba.pb.gov.br/diretas/saude/coronavirus/arquivos-1/decretos-e-leis/protecao-social/lei-no-11-746-20-julho-2020.pdf/view
Texto escrito pelo Dr. Melquisedeque Barbosa de Matos
área de atuação: Contencioso
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