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O Estado e sua responsabilidade no fornecimento de medicamentos à luz dos temas 500 e 1161 do Sup...

O Supremo Tribunal Federal enfrentou, recentemente, dois temas que estão relacionados diretamente a vida do cidadão brasileiro no que tange à saúde pública com reverberações de altíssimo impacto no Sistema Única de Saúde (SUS), Políticas Públicas, União, Estados e Municípios.


Sabe-se que o Estado é agente garantidor da saúde e bem-estar do cidadão, posto a norma impositiva da Constituição Federal nos artigos 1º, III, 6º, 23, inciso II, 196 a 200. Diante disso, cabe aos entes federativos (União, Estados e Municípios) implementarem políticas públicas para atendimento da saúde geral da nação, atuando direta ou indiretamente, subsidiando todos os meios possíveis para o bem-estar do povo. Com isso, uma séria discussão surge no cenário jurídico, qual seja, a obrigatoriedade ou não do Estado em fornecer medicamentos importados e de altíssimos valores, ainda que não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e que tenham ou não estudos comprobatórios de sua eficácia e sejam utilizados em outras nações.


No Brasil, o tema ganhou maior relevância quando começou a se discutir se o medicamento Spinraza, utilizado para o tratamento de uma doença degenerativa chamada Atrofia Muscular Espinhal (AME), seria viável ou não, haja vista que, a eficácia do medicamento estava em debate, bem como o alto preço do medicamente que por consequência impactaria diretamente os cofres públicos.


O debate chegou até o Senado Federal em 2019 na ocasião da audiência pública por conta da instalação da Comissão de Assuntos Sociais, a qual foi presidida pelo Senador Romário (PODE-RJ) com a presença, do então, ex- ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Na audiência se discutiu dentre outros assuntos à questão do medicamento Spiranza para pessoas portadoras da doença AME.


Mandetta, em sua oportunidade, ressaltou que o medicamento Spinraza foi rejeito pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) em setembro de 2018. Contudo, a discussão seria retomada no estudo sobre os quatro subtipos da doença.


Pois bem, a batalha sobre a eficácia dos tais medicamentos chegou ao Judiciário. E, sendo assim, os Tribunais têm decido, ora favoráveis, ora contrários. O embate é profundo e delicado, fugindo do escopo do mundo jurídico, eis que demandas de saúde, logicamente, adentram ao campo da pesquisa, comprovação e ciência médica.


No entanto, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 500 (Dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela ANVISA) com o leading case Recurso Extraordinário 657.718/MG, atribuindo-se à matéria repercussão geral, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, que ao tempo, integrava a Suprema Corte, colocou balizas, ao que parece, na discussão da obrigatoriedade ou não do Estado em fornecer medicamentos não registrados.

O caso julgado tinha por pano de fundo o fornecimento pelo Estado de Minas Gerais do medicamento Mimpara 30mg que seria utilizado para o tratamento de hiperparatireoidismo secundário em paciente com insuficiência renal em diálise.


O medicamento não possuía registro na ANVISA. Daí que ante a comprovação do registro e eficácia, deu-se o embate que culminou no Judiciário e teve seu provimento determinado.


Nas palavras do Relator, a ausência de prova científica era óbice para a imposição da obrigatoriedade do Estado em fornecer o medicamento, posto que, poderia também colocar em risco a vida do paciente, senão leiamos:

“Ante a ausência de aprovação pelo órgão investido legalmente da competência e dotado da expertise para tanto, existe o risco de o medicamento vir a prejudicar a saúde do paciente. Ainda que largamente utilizado em outro país, por força de lei, o remédio não pode circular em território nacional sem a devida aprovação técnica pelo órgão habilitado. Concluir de forma contrária é chancelar experimentos laboratoriais, terapêuticos, de benefícios clínicos e custos de tratamento incontroláveis pelas autoridades públicas. Em última análise, é autorizar o experimentalismo farmacêutico às expensas da sociedade, que financia a saúde pública por meio de impostos e contribuições. Não podem juízes e tribunais, sob o pretexto de dar efetividade ao direito constitucional à saúde, colocá-lo em risco, considerados pacientes particulares, determinando o fornecimento estatal de medicamentos que não gozam de consenso científico, revelado mediante o registro do produto – exigido em preceito legal – no órgão público competente, no caso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa .”

Assim, a Suprema Corte retirou do Estado a obrigatoriedade de fornecer medicamento não registrado. Contudo, deixou excepcionalidades para o caso de mora, isto é, atraso da ANVISA em apreciar o pedido de registro do medicamento com alguns critérios e estabeleceu a competência obrigatória de qual ente federativo deve ser responsabilizado pelo fornecimento, qual seja, a União:

Ementa: Direito Constitucional. Recurso Extraordinário com Repercussão Geral. Medicamentos não registrados na Anvisa. Impossibilidade de dispensação por decisão judicial, salvo mora irrazoável na apreciação do pedido de registro. 1. Como regra geral, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) por decisão judicial. O registro na Anvisa constitui proteção à saúde pública, atestando a eficácia, segurança e qualidade dos fármacos comercializados no país, além de garantir o devido controle de preços. 2. No caso de medicamentos experimentais, i.e., sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes, não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Estado a fornecê-los. Isso, é claro, não interfere com a dispensação desses fármacos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável. 3. No caso de medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, mas ainda sem registro na ANVISA, o seu fornecimento por decisão judicial assume caráter absolutamente excepcional e somente poderá ocorrer em uma hipótese: a de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016). Ainda nesse caso, porém, será preciso que haja prova do preenchimento cumulativo de três requisitos. São eles: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento pleiteado em renomadas agências de regulação no exterior (e.g., EUA, União Europeia e Japão); e (iii) a inexistência de substituto terapêutico registrado na ANVISA. Ademais, tendo em vista que o pressuposto básico da obrigação estatal é a mora da agência, as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. 4. Provimento parcial do recurso extraordinário, apenas para a afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido de registro (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União”. (RE 657718, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2019,PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe- 267 DIVULG 06-11-2020 PUBLIC 09-11-2020)

A matéria, por sua vez, não ficou restrita ao tema 500, eis que, o Pretório Excelso também julgou o Recurso Extraordinário 1.165.959/SP de relatoria do ex-ministro Marco Aurélio, na qual fixou a seguinte tese: "Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS”.


O Recurso Extraordinário foi indicado pelo Relator originário para substituir o caso piloto do Tema 500 da repercussão geral (RE 657.718). Entretanto, ante ao novo contorno da discussão, no caso específico, o Plenário manteve o julgamento do mérito do RE 657.718, e determinou que o Recurso Extraordinário 1.165.959/SP fosse o leading case de um novo tema de repercussão geral (tema 1161), assim descrito: Dever do Estado de fornecer medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária.


A Corte, portanto, colocou mais critérios objetivos no que tange a obrigação do Estado em fornecer ou não medicamento não registrado na ANVISA. Agora, não somente os critérios de excepcionalidades estabelecidos no tema 500 devem ser observados, bem como do tema 1161, o qual determina que ainda que não haja registro do medicamento na ANVISA, ocorrendo a autorização de importação pela agência de vigilância sanitária com os três critérios, quais sejam: (i) comprovação da incapacidade econômica do paciente,(ii) a imprescindibilidade clínica do tratamento, (iii) e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS, o Estado é obrigado a fornecer o medicamento FONTE:

STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 1165959/SP. Relator: Ministro Marco Aurélio. Dje 08/07/2021.    Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5559067



Texto escrito pelo Dr. Melquisedeque Barbosa de Matos – área de atuação: Contencioso

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